Transformar um estacionamento de três pavimentos em uma galeria comercial. Em síntese este foi o pedido do cliente.
No início de cada projeto procuramos entender qual é o objeto a ser atingido, para só então utilizarmos da arquitetura enquanto ferramenta para se atingir este objetivo. Não tendemos a acreditamos que a arquitetura por si só tenha valor, o valor está no que a mesma provoca, nos peculiares objetivos atingidos. “Arquitetura é Ação” Giancarlo Mazzanti.
Neste caso tínhamos que transformar uma construção genérica de um
estacionamento, em uma galeria comercial, ou seja, trazer pessoas para dentro de um edifício. Chegamos em um objetivo claro, converter o tipo de espaço mais sem graça possível – um estacionamento - em um edifício sedutor.
Para nós, trazer pessoas para frequentar o espaço seria a validação do nosso trabalho enquanto arquitetos contratados para este projeto em específico. Isso seria a contribuição que faria sentido dar a este cliente, buscar que o empreendimento dele desse certo, e se possível, fosse um sucesso.
O edifico existente foi construído em sistema estrutural pré-moldado de concreto e lajes alveolares, contendo rampas de acesso de veículos para a comunicação entre os andares, e o térreo a meio nível acima da rua.
Com a supressão das rampas que seriam inúteis à nova configuração, posicionamos as escadas nos vãos resultantes, definindo o posicionamento da circulação vertical. Havia também o problema de acessibilidade já na entrada com o desnível do pavimento térreo em relação à rua. Sempre que nos deparamos com problemas de acesso vertical dentro dessas características, preferimos soluções arquitetônicas como rampas em detrimento de soluções mecânicas, mas neste caso específico, depois de diversas simulações a solução em rampa mostrou-se inviável pela área útil que acabaria ocupando. Portanto alteramos a posição do elevador que ficaria junto à caixa de escada para a entrada, resolvendo a acessibilidade do térreo e conectando aos demais andares.
Com a circulação vertical resolvida partimos para a resolução dos Box’s que deveriam ser ao mesmo tempo padronizados e flexíveis enquanto espaço, definimos a dimensão modular padrão do box a partir das dimensões do edifício, descontando circulação e dinâmicas de ocupação central que aconteceriam em momentos futuros. Esse módulo padrão pode ser combinado em múltiplos, criando box’s maiores. Para dar suporte a esta dinâmica, não só de espaços, mas de perfis de comércios distintos, foi desenvolvida uma divisória móvel eletrificada com tomadas, e trilhos de cremalheiras embutidos para posicionamento de prateleiras e outros suportes para produtos.
Foi escolhido piso do tipo monolítico para se estender no projeto como um líquido despejado de um grande balde, subindo paredes, descendo escadas e pintando diversas superfícies com uma cor que representasse leveza, delicadeza, energia, frescor e alegria. Ainda não sabemos se de fato a cor em questão – da forma em que foi aplicada - tem o potencial de suscitar todos esses sentimentos, mas foi a cor que mais se aproximou deles em discussões internas e externas.
Na entrada da galeria foi suprimida as lajes do primeiro pavimento, gerando um pé-direito duplo, necessário à nova configuração, pois o pé-direito existente era relativamente baixo, o que não geraria o convite à visita, e poderia gerar um efeito um tanto “claustrofóbico” em algumas pessoas. Na cobertura da entrada geramos um forro paramétrico em consultorias realizadas com Thomas Takeuchi da Takê Consultoria. A ideia era dar mais organicidade a um conjunto pré-moldado de concreto, criando um elemento que chamasse a atenção do transeunte e ao mesmo tempo fosse de fácil execução.
Além da cobertura orgânica, convidamos o artista visual Adriano Franchini para realizar um painel em uma das paredes internas, trazendo ainda mais vitalidade à entrada, e reforçando assim o convite.
Por necessidade de ampliar a entrada de iluminação e ventilação natural no projeto removemos também a estrutura de mezanino dos fundos do terreno. E como estratégia de convite e divulgação orgânica da galeria criamos uma grande rede neste espaço para os visitantes curtirem um espaço comercial com uma experiência totalmente distinta, sem a necessidade de pagar nada para tal. Em todo o projeto tentamos gerar alguma gentileza urbana, que reforce a sensação de bem-estar em viver em determinada cidade. Criamos por narrativas. A possibilidade de uma família passear pela região, entrar na galeria, sentar na rede, pular, se divertirem, sem o pré-requisito de pagarem algo, e isso em um equipamento privado, é no mínimo uma gentileza, uma cordialidade, coisa tão cara às grandes cidades, em especial a áspera São Paulo. E esse gesto não irá gerar prejuízos ao empreendedor, pelo contrário, o espaço está sendo conhecido e divulgado organicamente em redes sociais, gerando fluxo pela galeria.
Criar mecanismos na arquitetura que permitam investimento privado na colaboração para melhoria da condição de vida urbana, e que ao mesmo tempo traga retorno para o investidor é um novo paradigma de ação em projetos.
Fotografia: João Lopes / Bevah Fotografia