Estação Antártica Comandante Ferraz
MEMORIAL DESCRITIVO
A ideia para a criação do anteprojeto em questão, referente à instalação da Estação Antártica Comandante Ferraz, teve por base o atual contexto das construções sustentáveis comprometidas com as necessidades de otimização de recursos e meios, voltados para a redução de danos ambientais, visando à incorporação de vários conceitos de flexibilidade, produção e economia energética, tanto no processo de execução quanto de utilização.
Este tema entende que a correta arquitetura por si só já engloba conceitos de sustentabilidade e racionalidade, quando comprometida com a otimização de seu desempenho em relação às atividades que pretende abrigar, considerando uma adequação material, funcional, estrutural e formal às necessidades do edifício. Paralelo a isto, o desenvolvimento da tecnologia permite agregar, cada vez mais, novos recursos de cunho sustentável ao projeto arquitetônico. Estas ações, sendo extensivas ao cuidado das áreas externas e ao entorno no qual se inserem, conferem ao projeto uma eficiência sustentável, transformando a arquitetura em um dos principais agentes de preservação que, aliada a outras disciplinas de ação holística, contribuirá para a construção de um futuro melhor para a humanidade.
À luz dessa perspectiva, a concepção da proposta aqui defendida constrói-se a partir da incorporação de critérios de sustentabilidade aplicados à construção, a exemplo dos princípios de ecoeficiência e conforto ambiental, bem como das questões fundamentais da arquitetura referentes à funcionalidade, estabilidade e estética, a saber, utilitas, firmitas e venustas, segundo Vitrúvio.
Dessa maneira, parte-se de uma escolha adequada para a inserção da Estação na Zona de Uso 1, explorando, assim, o potencial da área já impactada pelas instalações anteriores, assegurando-lhe um melhor rendimento funcional e logístico facilitado pelo relevo já modificado. Como consequência, a implantação da Estação no local originalmente ocupado repercute no partido adotado, podendo-se, inclusive, utilizar-se da frente leste para a praia para embarques e desembarques náuticos, além do aproveitamento também do heliporto e garagem existentes. Essa decisão, por sua vez, mostra-se como fator fundamental na setorização que seguiu a ideia de uma espacialização dividida em quatro blocos funcionais distintos e separados: setor habitacional/social; operação/manutenção; estoque e laboratórios. Todos estes setores estão interligados por eixos de circulação que permitem a conexão rápida entre os ambientes internos e a área externa.
Outros princípios projetuais adotados para a concepção da nova Estação Comandante Ferraz foram os critérios de Expansibilidade e Flexibilidade, sendo o primeiro responsável pela sua ampliação, sem que fosse necessário a criação de apêndices volumétricos. Já o segundo critério, permitiu a reutilização sem a necessidade de reformas internas, garantindo uma redução nos gastos e no tempo da obra. O princípio da Contiguidade também se aplica a esta proposta, uma vez que se mostra indispensável por certificar que não haja uma descontinuidade nos espaços destinados aos ambientes de trabalho. Em resposta a esses critérios, principalmente ao da Expansibilidade, faz-se uso da estrutura metálica, permitindo agilidade, limpeza e redução do custo às obras de ampliação.
A tudo isso, soma-se a utilização de recursos de captação de águas pluviais nas superfícies cobertas, conduzidas para reservatórios de tratamento inferiores para posterior utilização no uso sanitário e para reserva de incêndio. O tratamento e reaproveitamento de águas cinzas será feito individualmente em cada lavabo, através do sistema de tratamento conectado a caixas de descarga dos vasos sanitários, evitando, assim, custos com instalações de tratamento extra.
No que tange às águas negras, estas serão tratadas por uma estação eletrolítica, sendo posteriormente devolvidas, sem qualquer perigo de contaminação, para a natureza.
Quanto à energia elétrica, a sua utilização racional é viabilizada através do consumo misto, que envolve a geração própria em sistemas de microturbinas a gás em sistema de cogeração, turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos.
O somatório de todas essas ações sustentáveis, seja de arquitetura ou de tecnologia empregada, contribuirá para uma coerência ambiental da edificação, através de uma proposta sadia ao ambiente, a si mesma e a seus usuários.
MACROCLIMA
As condições bioclimáticas extremas são determinantes na implantação da estação no sítio. longitudinal disposto no sentido Sul - Norte possibilita que todos os ambientes de longa permanência Seu eixo tenham aberturas para os visuais dominantes, oferecidos pela fachada leste de maior dimensão, esta opção, também respalda as estratégias de controle e aproveitamento da iluminação natural.
IMPLANTAÇÃO
A opção de uma inserção modular de cinco agrupamentos de prismas retangulares sobre pilotis no sentido do eixo Norte /Sul, abriga os setores funcionais e cria áreas livres intersticiais, que proporcionam captação de luz solar e permitem uma maior integração dos ambientes internos com o exterior, reduzindo o efeito de enclausuramento. Estes vazios, além de estabelecer um distanciamento entre os setores funcionais também contribuem para a segurança e o isolamento eventual de contaminações e sinistros, preservando a integridade dos demais setores. A criação do pilotis proporciona a liberação do solo, preservando as vias existentes e criando outras possibilidades de acessos funcionais e saídas de emergência, potencializando a flexibilidade e a expansividade do sistema proposto.
ACESSIBILIDADE E CONTROLE DE FLUXOS
Os acessos à estação são caracterizados por caixas de escada com sala de secagem e wc, foram locados estrategicamente entre os setores evitando o confinamento e reduzindo as distancias funcionais. O acesso principal articula os setores sociais, médico, pesquisas e serviços ao centro da fachada leste com o objetivo de reduzir os percursos. O acesso de veículos para abastecimento e retirada de detritos também foi viabilizado pela adoção do piloti que permite a circulação por baixo da estação em vias demarcadas que proporcionam o acesso da área de desembarque (praia e heliporto) até as docas de carga e descarga da estação.
SÍTIO E CONTEXTO
O sítio que abriga o complexo da Estação Comandante Ferraz esta localizado na península Keller, no extremo norte do continente antártico. É caracterizado por uma estreita faixa de praia, com grande valor para as pesquisas científicas, que margeia imponentes elevações rochosas com poucas áreas planas. O local ocupado pela antiga base é o ponto mais privilegiado por se encontrar num trecho plano servido pelas vias de trafego já existentes e estruturas de apoio logístico que não foram atingidas pelo incêndio.
PARTIDO ARQUITETÔNICO
Considerando-se a orientação, o perfil do terreno em aclive, as características do clima e sistema de ventos, optamos por uma implantação sobre pilotis no patamar ocupado pela primeira estação, preservando os caminhos existentes e os locais das instalações adjacentes evitando novas intervenções. (1)
O volume construído, caracterizando-se conceitualmente pela junção de módulos containeres, com área modular de 3,00 x 6,00 x 3,00 metros, interligados por módulos circulação de 3,00 x 2,40 x 3,00 metros, organizam as cinco áreas funcionais do programa de necessidades em dois níveis elevados do solo pelo piloti. Estes blocos funcionais são locados ao longo de dois eixos de circulação dispostos no sentido Sul /Norte, possibilitando simultaneamente a conexão do complexo e o necessário isolamento físico e acústico de cada setor através de vazios modulares que caracterizam pátios internos e possibilitam ganho de iluminação solar e aberturas de visuais para o exterior em todos os ambientes. Esta solução de partido horizontal deriva da setorização do programa segundo suas características e afinidades (social na ala central do pavimento térreo, setor privativo no pavimento superior sobre o pavimento social, setor médico na ala sul, pesquisas na ala norte e serviços na ala oeste).
No pilotis temos todos os acessos e monta cargas para recepção de gêneros e equipamentos e a saída de resido. O 1º pavimento abriga os setores sociais, setor de pesquisas, setor médico, setor de serviços e armazenamento. O setor privativo foi locado no segundo pavimento aberto para o pavimento social através do mezanino que abriga as circulações das unidades privadas. A cobertura é aproveitada para criação de terraços técnicos, que suportam os equipamentos de geração de energia limpa e condicionamento de ar.
FLEXIBILIDADE
Os critérios de Flexibilidade foram aplicados na estratégia de composição modular que permite ampliações e contiguidade entre os recintos de trabalho e vivência, que foram incorporados ao projeto a partir da setorização das atividades nos dois pavimentos que abrigam todo o programa de necessidades (3).
Para atender às necessidades de expansibilidade natural do conjunto, sugerimos duas formas de ampliação: A adição horizontal de módulos em parte dos vazios modulares determinados para este fim. E adição de módulos no primeiro pavimento, repetindo a estrutura do pavimento térreo e das caixas de escadas.
O processo construtivo também é facilitado pela adoção do sistema estrutural metálico e pela possibilidade de pré-fabricação de elementos e módulos estruturais compatíveis com as necessidades de transporte e montagem facilitados
FUNCIONALIDADE
A dinâmica funcional da proposta objetiva a fluidez espacial e a continuidade dos espaços. Partindo das trilhas já demarcadas que serviam à antiga estação, podem ser acessadas todas as caixas de circulação vertical que descem até o nível do solo proporcionando permeabilidade a todos os setores da estação bem como a possibilidade de escape rápido em casos de emergência. Ainda no nível do solo, temos a demarcação de novas trilhas de acesso que permitem a circulação dos veículos de carga para abastecimento e retirada de resíduos e os decks de madeira que disciplinam os acessos de pedestres às caixas de escadas com hall de secagem que estão locados estrategicamente entre cada dois setores da estação, reduzindo as distâncias internas e externas.
O acesso principal com pé direito duplo locado ao centro da fachada leste, próximo às áreas de desembarque, evidencia o caráter oficial da estação. Internamente o setor social absorve todos os fluxos para os ambientes de lazer e vivência que se apresentam abertos com divisórias corrediças transparentes e conectados visualmente com o mezanino de acesso aos camarotes. Este esquema funcional aliado ao tratamento cromático dos interiores contribui com o melhoramento das atividades realizadas no interior da estação articulando técnicas da psicologia ambiental para induzir a uma convivência parceira dos usuários.
ESTRUTURA
O sistema estrutural foi adotado em função da sua eficiência e logística. Resolvendo toda a estrutura com fundações em estacas tubulares cravadas por sistema de prensagem, ancorando pilares metálicos cilíndricos com 45 cm de diâmetro, modulados em malha, com vãos de 6,00 m, apoiam mãos de força que recebem as vigas quadradas 20 x20 cm, que compõem os módulos estruturais tridimensionais dos containers. Este sistema modular funciona como uma malha espacial que absorve as cargas verticais e os esforços dos ventos vigorosos transferindo-os uniformemente para o sistema de apoios.
VOLUMETRIA
O volume arquitetônico decorrente do partido adotado é constituído por um agrupamento cinco paralelepípedos articulados por caixas de escadas e circulações transparentes que com o contraste das cores nacionais, evidenciam os setores funcionais da estação. A proposta de fenestração reforça a horizontalidade do conjunto, envolvendo o sistema de coletores solares no enquadramento das esquadrias, trazendo ao observador externo a idéia das grandes aberturas que caracterizam a arquitetura moderna brasileira.
MATERIAIS
A especificação adotada objetiva a otimização de recursos e a padronização de toda a construção com o uso essencial de materiais que desempenham funções de vedação, isolamento e revestimento, observando os critérios de alta resistência, baixa manutenção, grande durabilidade, fácil obtenção, fácil manuseio e instalação. Assim foram utilizados painéis de madeira com revestimento cimentício resistentes ao fogo para revestir toda a estrutura tridimensional do módulo container, configurando base para os revestimentos de pisos, paredes e tetos que envolvem a camada do isolante térmico utilizado (EPSI). Os pisos exteriores são regularizados e paginados em decks de madeira suspensos sobre o solo natural.
Internamente os painéis de Mad Wall, recebem pisos elevados de polipropileno para cabeamentos com manta acústica antichama e cobertura vinílica. As paredes internas são revestidas com placas melamínicas ou vinílicas. As paredes externas recebem impermeabilização com manta asfáltica e uma carenagem de recobrimento em chapas de alumínio. Os tetos internos recebem placas termoacústicas removíveis que permitem acesso aos sistemas de instalações que permeiam todos os pavimentos proporcionando total flexibilidade de uso. A cobertura externa também recebe o mesmo acabamento externo das paredes. Já os fechamentos em esquadrias/brises de alumínio e vidro duplo promovem captação solar e controle térmico natural às áreas de trabalho.
CORES
O estudo desenvolvido com as cores nacionais para a composição cromática dos interiores e exteriores, após avaliações de durabilidade dos materiais e pigmentos elencados, resultou na seguinte paleta de cores: Exterior revestido com placas de Alumínio na cor natural, recebe destaques de faixas horizontais nas cores verde e amarelo no peitoril das grandes esquadrias externas. Este detalhe produz um efeito suave reforçando ainda mais a horizontalidade do conjunto e evita o desgaste natural dos pigmentos em grandes áreas. Os ambientes interiores revestidos com lâminas melamínicas recebem cores claras em contrastes pontuais com cores quentes em contraponto às cores nacionais (verde, amarelo azul).
EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
A opção por tecnologias de produção e aproveitamento de energia elétrica com baixo impacto ambiental, pressupõe a convergência de vários sistemas e fontes disponíveis para o suprimento constante da demanda frente as descontinuidades das fontes naturais.
Energia Eólica e Solar:
O aproveitamento de energia renovável será feita pelo acionamento de geradores eólicos instalados ao longo da fachada oeste e painéis fotovoltaicos instalados nas áreas de cobertura do complexo.
Sistema de Cogeração:
O desenvolvimento tecnológico de sistemas de geração por absorção de calor, amplamente comercializado e empregado em todo mundo, torna factível a geração concatenada de energia elétrica, calor e/ou frio a partir de um mesmo insumo, conhecida como cogeração.
O sistema de cogeração consiste na instalação de grupos geradores que podem ser acionados pela queima de diesel, óleo combustível e gás natural (entre outros) para suprir total ou parcialmente a demanda de energia elétrica do empreendimento e, através do calor gerado pelo motor ou turbina, a energia contida nos gases de exaustão que seria jogada fora possibilita a geração de outras utilidades necessárias, tais como água quente e vapor.
Controle do suprimento energético:
Para controlar todos os sistemas de geração de energia, iluminação e climatização da edificação, será implantada uma central de controle com um sistema de gestão específico, para manter a otimização das cargas elétricas e a operação do sistema de cogeração de energia de forma a reduzir o consumo e os desperdícios.
FICHA TÉCNICA
Projeto - Concurso Público Internacional de Arquitetura para a Estação Antártica Comandante Ferraz . Brasil
Arquitetos - Antonio Cláudio Massa, Kleimer Martins e Oliveira Júnior
Arquitetos Colaboradores - Christopher Guerra e Márcio Lucena
Colaboradores - Felipe Cavalcante, Kellington Dantas, Brenner Ribeiro, Thiago Jordão, Emanuele Dantas, Camila Sales e Albeny Bezerra
Modelagem 3D - Felipe Cavalcante
Imagens 3D - Felipe Cavalcante
Banners - Kellington Dantas
Local - Península Keller, Ilha Rei George, Antártica
Ano - 2013