a visita àquele interior de quarteirão ficou marcada por uma certa ambiguidade. era notória a tentativa passada de hierarquização, imposta por um forte eixo, no entanto, com o passar dos anos, a zona geometrizada do largo da feira e do mercado não conseguiram ser uma base de organização urbana, estando envoltos actualmente por edifícios sem identidade, meros mimetismos das geometrias bidimensionais. os elementos verdes, soltos aleatoriamente, assim como o contraste dos limites do edificado recente com o parcelamento irregular dos lotes privados envolventes, parecem pedir uma analogia. e olhar para o volume que o mercado representa é como ver um miúdo carente de um amigo (programa?) que o acompanhe nas brincadeiras de recreio. impor um dialogo pareceu quase uma exigência gritante. como fazer o edifício actual comunicar com a sua envolvente? o que lhe afirmar? como combater o seu lado intimista e cerrado mostrando-se também a si mesmo? deste desejo de murmurar, de comunicar, de agitar o actual mercado, e escutar o que ele nos tem para dizer, desenvolveu-se a proposta. se um mercado é um lugar de falas breves, troca e comércio, aquele espaço pode ser muito mais. pode ser um ponto de assembleia, cultura, dissonância e paixão. liberta-se o actual volume de mercado das suas funções, retoma a nobreza que os anos lhe tiraram, emergindo do quase esquecimento colectivo em que se encontra. ao remover a frágil cobertura e rasgando o piso térreo, deixamos o exterior entrar no edifício, movendo-se ao sabor do sol e da chuva. passa a ser possível que duas bailarinas dancem, algures no fim de agosto, onde antes se negociou o peixe. passa a ser possível a dois idosos amadurecerem as suas opiniões ao som de um violino ou de uma conversa acesa entre cartadas. o espaço já lá está, só precisa do dinamismo que novas vivências lhe podem trazer. assente numa base que o enquadra na envolvente, estende-se para o exterior verde, num jogo de relações e de formas. o contacto entre a superfície dura e a relva salienta ainda mais a base que se mostra disponível e polivalente. levar ali as pessoas, oferecendo-lhes um espaço para representações escolares de final de ano, música, pintura e uma conversa com um café ao final da tarde. tornar um ponto de programa pesado e desadequado em algo leve e actual. levar a “cultura” onde ela não parece chegar. soltar o mercado do mercado, e criar um novo pólo cultural. e o mercado onde fica? já ali, do outro lado da rua. leve, exterior, diferente do que é habitual; entre árvores, remata uma intervenção que se quer una. se o anterior mercado fosse uma laranja, aqui estariam apenas os sumarentos gomos. em contacto com as pessoas, mostra-se aberto, extensível e disponível para diferentes apropriações. assente numa leve estrutura de pilares, soltando pequenos volumes de serviços, apresenta-se à envolvente como uma silhueta de algo que não sendo familiar, não é estranho. mostra o mercado à rua enquanto a deixa entrar por entre as bancas de fruta e legumes. às segundas feiras conversa com a feira que o ladeia, trocando ideias, histórias, espaços, vivências: amigas, apropriam-se mutuamente dos espaços. ao final da tarde, quando o comércio vai dormir, aparecem os miúdos que ali jogam à bola, até serem chamados para a mesa. o espaço é vivido ao longo da semana por brincadeiras de miúdos, à segunda por comerciantes passageiros e, quem sabe um dia, por novos edifícios. o essencial é garantir que o espaço seja gradualmente apropriado, vivido, sentido. o novo mercado, tal como o rejuvenescido antigo volume, pedem à cidade que os aproprie e não os esqueça. mostram-se receptivos a receber um passeio, um espectáculo de teatro, uma visita ao sábado ou uma chuvada no inverno. da leitura dos volumes, surge uma leitura de espaço. um eixo viário já existente, divide o espaço em dois. se de um lado o novo mercado co-habita com o espaço de feira, companheiros de conversa, o outro vê-se entregue a algo novo, entre o lazer e a cultura, disponível para aprender consigo mesmo e, quem sabe, ensinar. sendo o objectivo do concurso o debate público, parece interessante que se questionem ideias básicas, definições de programa e “o que fazer com este espaço” isto, tendo sempre em conta as difíceis condições económicas em que o país se encontra. seria bom que o debate fosse além dum mero exercício de desenho, onde se promova a versatilidade e uma nova forma de apropriação do espaço.